quarta-feira, 19 de setembro de 2007

onde?



Alfredo Almeida Coelho da Cunha

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

De um para outro lado

se me deixares migro
de um lado para o outro lado do espelho
se me quiseres
inteira
comum
válida
transporto o mar dos meus olhos
para o vidro que te separa da minha forma frágil

entra-me pele dentro
o toque áspero da tua mão
de duração mínima

entra-me pele dentro
o ar vigilante com que me condenas
a um cárcere ínfimo

se me deixares fujo
para onde a minha imagem não possa ser aprisionada
se me quiseres
ausente
imortal
como memória
escondo o verde traiçoeiro que carrego
no azul tranquilo de outro elemento

Do que gosto...

… de fotografias com água;
… de esperar pouco tempo, após marcar um encontro;
… do cheiro da terra depois de ter chovido, preferencialmente no Verão;
… da minha cadela, companheira de brincadeira;
… de provocar um sorrisinho de esgar em mim mesma;
… de pipocas doces;
… de pantufas fofinhas;
… de ser predadora e não presa;
… de me surpreender;
… de escrever cartas longas;
… de sumo de laranja pela manhã;
… de música melancólica quando me sinto angustiada, ou de uma boa bateria quando estou furiosa;
… de filmes que me façam chorar;
… da gramática portuguesa;
… de conversar em voz baixa, deitada na cama;
… de uma banheira cheia de espuma;
… de andar descalça em areia molhada;
… da comida açoriana, das hortênsias a delimitarem os campos, dos touros soltos nas ruas;
… dos meus amigos, a quem não tenho de me explicar;
… de velas acesas no terraço e um copo de vinho aquecido;
… do meu diário actual;
… do silêncio confortável entre duas pessoas;
… de colorir desenhos;
… de cozinhar ao sábado à noite para quem aparecer;
… de girassóis com pé alto;
… de livros, muitos livros espalhados pela casa, como damas de companhia;
… de confidências madrugada fora;
… de bolo de bolacha, fresquinho;
… de gargalhadas sonoras;
… das planícies do alentejo, enquanto alguém me conduz;
… da independência do meu gato;
… de sotaques e da língua portuguesa;
… de ser só, no meio de toda a gente;
… de ser provocada;
… de comprar e oferecer presentes sem razão;
… de comer sushi, devagarinho;
… de canetas de tinta permanente;
… de jazz e bossa nova;
… de vozes que choram;
… de datar tudo:
… de olhares quietos;
… de mim toda;
… de chá preto, em todas as estações do ano;
… de escrever noite dentro;
… de pensar e dizer coisas simples;
… do sol imenso;
… de xaropes para a tosse, por vício;
… duma esplanada à beira-mar;
… da voz do Camané;
… de sair sem destino logo pela manhã;
… da paisagem que vejo da janela da biblioteca;
… de fechar os olhos e respirar se me sinto cansada;
… de camisolas grossas de lã no Inverno;
… de novas descobertas;
… do verde do Minho;
… de dormir sem luz e muito;
… de sentir alguém mexer-me no cabelo;
… de viajar com companhia;
… de ser assim, sem mais!!

quinta-feira, 13 de setembro de 2007


Foto: Bruno Espanada

Dúvida Mínima

Deixo as palavras enterradas na areia
corro sem saber se
fora de mim existe estrada ou mulher

Penso nos gestos atirados aos outros
como amuletos que
fechados para o mundo me iludem os olhos

A pele cansada do sossego
desgasta-se sem remédio
ardendo no inferno da tua ausência em mim

Põe o sol no sítio e deixa-me estar quieta,
dizia-te eu
enquanto ainda possuía na garganta
a força do teu sopro em mim.


Seremos hoje as cinzas que ainda restam dos nossos corpos de ontem?

Abraço

No abraço longo que me ofereces
descreves, talvez, os passos outrora marcados na areia
subscreves, com evidência, o que risco na água turva
e assinas a sangue, com fervor, o ar que nos rodeia.

O frágil gesto que me envias
com convicção
sem testemunha
tenta convencer-me a olhar o dia como um dia perfeito.

Mas hoje é dia de partida,
de despedida,
da suave paz do abandono voluntário…

longe de mim a vontade de ficar!

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Um dia...

Acreditas no que te digo hoje?
Nas dúvidas atiradas pela janela de vidros sujos,
no desespero da manhã,
nos lençóis deixados em desordem?

Acreditas nos sons que te vêm de longe?
Nos rádios dos bares outrora ocupados,
no lento torpor da tarde,
no carro estacionado à porta de casa?


Acreditas no que vês agora?
Nas longas horas passadas num sofá deitado,
na espera ao fim do dia,
na lista telefónica a amarelecer?

Filipa Rodrigues

Sendo tu...

Vivo dentro de mim com a idade que me deste

sou pedra e toque
gelo e água

vício terno
veneno suave
vaidade doce.


Calada a minha voz teima em obedecer-te

palavra e som
erva daninha
nota deslocada

e na noite perene, silêncio sem retorno.


Filipa Rodrigues

De todas as cores (improviso)

Nas cores dos dias inteiros
caminhas em cima de águas revoltas
por entre pedaços de pedras roxas;

Nos dias das cores todas
passas as horas nas vagas febris
do ouro a que me proibiste o acesso;

Hoje... neste dia carregado de sombra negra
nesta manhã de sol aparecido
escondes-te na vontade de me provocar.

Filipa Rodrigues

terça-feira, 11 de setembro de 2007

quase luz nenhuma



"em todos os retratos haverá um rastro de ferrugem
porque a demora corrói o olhar ... alinhava no papel
o ácido das noite em sépia

no vidro das montras pressentimos a fuga
o desabar da cidade sob o peso da chuva ... sempre
que o diálogo existe entre a sensibilidade do corpo
e do filme ... as mãos repetem os gestos
as palavras desfazem-se no luso-fusco surge o medo
estas pedras fascinadas pelos néons donde se solta a fera
que nos devassa os umbrais dos dias morrendo

caminhamos pela avenida miniaturizada no sonho
aqui devoramos os alicerces de quase luz nenhuma
aqui nos perdemos propositadamente ... a paula o paulo
e a silhueta duma gabardina preta comigo dentro

ao que dizemos e à noite amiga fico atento
hipnotizado nas luzes terríveis ... o receio
de mais tarde olhar as fotografias e já não sentir
pulsar no papel vida nenhuma"

Al Berto

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O`Neill