domingo, 12 de agosto de 2007

estados

Naqueles anos, todos eles se tinham movido sem saberem muito bem se acordariam na manhã seguinte. Viviam numa febre constante, numa vertigem, nem excesso permanente. Era preciso viver depressa e morrer, de preferência ainda jovem. Nenhum deles alimentava projectos ou ambicionava fosse o que fosse. Era lhes indiferente estar vivo ou morto. Mantinham-se nesse lugar mal iluminado e sem saída: a vida.
Uns tinham fugido de casa dos pais, outros tinham-se exilado voluntariamente do mundo. Viviam espalhados por apartamentos de subúrbio, ou tinham viajado por países distantes donde raramente regressavam. E, dos que ficaram, nenhum possuía uma ideia precisa daquilo que seria necessário fazer para não sucumbir em tamanha desolação. Nenhum deles tentara sequer explicar aos outros que estranho vazio se apoderara de si.
Restava-lhes a amizade e a cumplicidade de alguma paixão para resistirem ao caos devorador da cidade, e à moleza quase beata da "geração" a que se recusavam pertencer.

"Geração" essa que eles viram, com curiosidade e algum desprezo, pôr a tralha às costas e partir sem destino. Anos mais tarde, uma vez regressados, atulhados de tudo quanto haviam recusado e abandonado, não faziam senão cobrir-se de ridículo. Vivendo no sossego falso de apartamentos "estilo humilde"(banquinhos de madeira e almofadas no chão, reproduções de budas espalhadas desde o wc ao quarto), rodeados de filhos e animais de estimação, davam-se ao trabalho de inculcar, tanto a uns como a outros, novos preceitos morais e uma boa dose de ecologia tonta. Eram peritos em discursos santos e tristonhos, advertindo à força as crias vegetarianas contra os inúmeros pecados da carne.
Para Beno e os amigos, era precisamente a fúria de tudo desejar e ter imediatamente que os impedia de soçobrar na vulgaridade e na norma. Os outros pareciam acomodar-se num estado morto-vivo, enquanto eles iam morrendo a cada instante. Lúcidos e atentos, mesmo quando a loucura lhes roubou Zohía, e a morte embarcou Kid num esquife de treva e dor.

In Lunário, Alberto

Sem comentários: