quarta-feira, 9 de maio de 2007

Anacrónico dos Sentidos

Experimenta fabricar um dia de ausências:
nem som ou visão. Um dia: puro,
sem a mácula de ruído, de imagens.

Procura o isolamento profundo.
Lentamente,
inexoravelmente, és invadido por leve torpor
que docemente embriaga o plexo,
extraindo-se do nexo casual
e o vazio.
Uma acre sensação de abandono;
de perda; de ausência;
o fel do corpo sobe
à garganta,
sentes a matéria desfazer-se,
ínfima, retalhada,
a voar, milhares de estrelas brilhantes, e
tu vogas, perdido da matéria, do som, do olhar,
como se o peso do conhecido te contraísse o peito,
que sofre avassalador
a implosão da razão. Uma dor lenta,
infantil, acomete os teus olhos
uma vontade dos seios e sorriso mater.

Regride ao ventre que te gerou, e choras,
e espantas-te, e renegas,
e querees socar o universo que gravita serenamente na poeira cósmica de quanto o teu consciente consegue tomar como conhecimento.

Do que sentes e vês sem ver.
Apenas sentes imagens
que fulgurantes, perfuram os sentidos meteróricos.

És acometido pelo impluso
primário de perda
do in-conhecimento humano.

A nova sensação é voraz e dolorosa.

Resiste, resiste!
Não bulas, nem te atrevas a retesar um só músculo.
Aceita-te como te vês, assim és.
Acolhe o esgar dos lábios que extrais do teu ser,
como a força que mantém a imobilidade.
Inerte o gesto e o corpo, que vibra louco,
negando-se por desanexação do real/ irreal.

Agora, encontras-te encontrado,
acolhe tua nova, sempre presente, fragilidade.
Devora o medo, lento, que te invade
de imediato se esvai escuro claro que se faz.
A luz da utopia é a concepção de ideias generalizadas.
O eco que apenas adivinhas nos farrapos de imagens
que trespassam libidinosamente a fragilidade da coragem.

Começas por reconhecer o ínfimo sentimento de paz que te absorve, anulando inúteis temores, inúteis gritos, inútil reconhecimento.

Abandona-te nos braços da teia microscópica
que embala a sensação de finidade inútil.

Reconhece, sem que te reconheças, o vazio da existência magma, onde flutuas.
Sabes agora que a dor – do que conheces como vida – é a dor vazia
inexpressiva de conteúdo, supérfluo viver/sofrer, ignota ignorância do desnecessário preciso.

Apenas após conhecer o silêncio, a in-visão,
quando escutas – inundado – o troar forte
e cadenciado da máquina universal, conseguirás escutar,
ver e compreender, os maravilhosos ínfimos sons,
que te envolvem, penetram e sustêm a matéria.

Saberás então, que o mundo és tu, - etéro –
vive em ti e de ti, engrenagem fundamental
da anacrónica função que resiste, apesar
de cronologicamente, seres um ser,
esquecido que persiste no gesto do suicídio.

Luís Monteiro da Cunha

2 comentários:

Filipa Rodrigues disse...

O Luís é um dos moderadores da lista Amante das Leituras, e é responsável pelo desafio da semana.
O Desafio da Semana consiste em pegar num tema, normalmente o verso de um poema de um dos autores, e convidar os outros membros a escrever tendo esse como ponto de partida.
Fiz-me entender?

Espero não me ter enganado em nada, senão apanho na cabeça da Ana, mais uma vez!!
Eh eh

Luís Monteiro da Cunha disse...

Estás.... certissima!
Um desafio simples, que nos tem dado frutos saborosos.
Poemas que possivelmente nunca seriam elaborados, irradiam-se da glosa do tema, como água em fonte aberta... dessedentando os sentidos de todos os envolvidos: autores e leitores.

Obrigada, amiga
pela introdução do meu poema e foto, neste blog colectivo.

Jinhos e abraços
luis