segunda-feira, 7 de maio de 2007

Um Leitor

Que outros se vangloriem das páginas que escreveram;
a mim, orgulham-me as que li.
Não terei sido um filólogo,
não terei investigado as declinações, os modos, a laboriosa mutação das letras,
o de que se endurece em te,
a equivalência do ge e do ka,
mas ao longo dos meus anos professei
a paixão da linguagem.
As minhas noites estão cheias de Virgílio;
ter sabido e ter esquecido o latim
é uma posse, porque o esquecimento
é uma das formas da memória, a sua vaga cave,
a outra face secreta da moeda.
Quando nos meus olhos se apagaram
as vãs aparências queridas,
os rostos e a página,
dei-me ao estudo da linguagem de ferro
que usaram os meus ancestrais para cantar
espadas e solidões,e agora, através de sete séculos,
desde a Última Thule,chega-me a tua voz, Snorri Sturlson.
Diante do livro, o jovem impõe-se uma disciplina rigorosa
e fá-lo atrás de um conhecimento rigoroso;
na minha idade, qualquer empresa é uma aventura
que confina com a noite.
Não acabarei de decifrar as antigas línguas do Norte,
não mergulharei as mãos ansiosas no outro Sigurd;
a tarefa que empreendo é ilimitada
e há-de acompanhar-me até ao fim,
não menos misteriosa do que o universo
e do que eu, o aprendiz.
Jorge Luís Borges

1 comentário:

Luís Monteiro da Cunha disse...

não esperava encontrar aqui este poema... lindo, do Jorge Luís.

Já o conhecia, por isso a estupefacção...

jinhos